Ateus são o tipo de pessoa que mais sofre preconceito

Mesmo que forças progressistas no mundo todo tentem defender os direitos de várias classes oprimidas, uma dessas classes continua abandonada como uma vassoura quebrada guardada em um canto: os ateus.  Mesmo dentro do universo progressista, não há empenho nenhum em proteger a classe que mais sofre preconceito em toda a humanidade. 

Os ateus seguem sofrendo formas cruéis de preconceito por se recusarem a se submeter a ordens de um ser cuja existência nunca foi comprovada, mas por conveniência social é defendida e prontamente obedecida, por mais absurdas que sejam as suas leis.

Para entender o preconceito contra ateus, é preciso entender o papel de Deus para a maior parte das pessoas. Vivemos na infância da humanidade e para multidões, a presença de uma espécie de tutor se faz necessária. Mesmo que ele seja invisível e que sua existência nunca tenha sido comprovada.

Inventaram algo conhecido como "fé", que substituiu a razão - não apenas nos assuntos religiosos, visto que todos os conceitos se tornaram acreditáveis sem nunca terem sido verificados - como forma de legitimar a existência de Deus sem necessidade de comprovação. Bom lembrar que no Brasil, a fé é considerada como sendo o maior valor humano para uma imensa quantidade de pessoas.

Deus é considerado por quem acredita como o dono do universo, criador de tudo e legislador da moral e dos bons costumes. Para religiosos, ser bondoso não significa ser altruísta. Significa acreditar em Deus e em suas leis, inseridas como dogmas nas inúmeras religiões existentes no planeta, todas crendo ser mais verdadeiras que as outras.

 Mesmo os progressistas, que deveriam abandonar a religião, cujo conservadorismo lhes é inerente, se agarram a fé cristã como forma de inclusão social, já que quase 90% dos brasileiros se assumem como cristãos. Ser ateu é recusar não apenas a submissão ao "Pai Maior" mas ao convívio com outras pessoas que aderem com prazer a esta submissão.

O altruísmo estaria submetido a fé religiosa - no caso do Brasil, a fé cristã. Ser bondoso passa a estar relacionado com a fé religiosa, pois é consagrada a ideia de que Jesus, como "filho" de Deus e portanto seu maior representante - ou senão o Próprio, segundo algumas crenças - é o inventor da bondade e que patenteou o altruísmo. 

Segundo este pensamento, ser altruísta é usar o direito autoral de Jesus. Ser altruísta é ser cristão. Quem não é cristão, não é altruísta, pois recusou a patente original da bondade. Ateus, como rebeldes que se recusam a obedecer o líder, são excomungados da sociedade e não raramente expulsos do convívio social, mesmo nos meios que não envolvem nenhum assunto religioso, por "não serem pessoas boas".

Este conceito de "bondade igual a religiosidade" é grande responsável pelo preconceito que sofrem os ateus. Estamos acostumados a ver inúmeros conceitos estereotipados em nosso cotidiano. Gostamos de imaginar o mundo espiritual como igual ao mundo material. Como temos legisladores no nosso sistema político-social, acreditamos haver também no "céu". Portanto, Deus seria o "Presidente do Universo". 

Este conceito faz com que associemos a bondade não ao altruísmo, mas a fé religiosa. Ninguém precisa ajudar o próximo - embora isso seja bom para promover a fé cristã em nosso país - mas é indispensável ter fé. Até porque, se a própria pessoa não ajuda outras, acredita em quem - supostamente - ajuda, o que significa uma concordância e apoio à caridade praticada.

E o ateu, que não acredita em nada e ajuda por compaixão e por compreensão lógica da necessidade alheia? Para quem não usa a lógica, já que a fé está acima desta, não importa se a caridade é feita espontaneamente ou não. Interessa que está sendo feita, mesmo de forma precária e meramente paliativa, mas com muita fé "no coração" - como se este fosse o verdadeiro órgão da racionalidade. 

O que vale é a fé inserida nela e a submissão a um Gigante Invisível que nunca vimos, mas que parece real graças a nossa teimosia em não verificar, com medo que nossos castelos de ouro, que depositam as nossas ilusões, desabem. Mas para que ilusões não desabem, é preciso demolir quem tenta acabar com tais ilusões. E isso cria um preconceito sério contra ateus, que nunca é combatido.

Como a quantidade de religiosos e de submissos a Deus é imensa, legisladores nem se preocupam em proteger o direito a não-crença, deixando os ateus "a Deus dará". Os ateus que se virem se quiserem conviver socialmente, mesmo vivendo sob ameaças de um sistema cujo caráter está vinculado à fé e que em tempos de ódio ideológico pode gerar graves danos - senão a morte - contra quem se recusa a ter fé.

Apesar do Brasil se declarar um estado laico, a fé é sempre uma tentação. Tanto é que instituições colocam crucifixos e temos frases de louvor até mesmo em documentos pagãos. Em um país assim, a vida de ateus segue complicada, sendo objetos de uma crueldade que nem mulheres, negros, gays, indígenas e consumidores de entorpecentes estão cansados de encarar. 

Não ter fé parece ser algo pior que ser qualquer coisa, mesmo as mais reprováveis do mundo.

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